Arqueologia das Coisas é, antes de ser uma exposição individual, uma alusão à trajetória dos últimos cinco anos de produção artística de Estefania Gavina e um ato inaugural de seu projeto artístico “Aquilo que eu deixei de ser” concebido no âmbito do acervo ACHO – Arquivo Coleções de Histórias Ordinárias, sediado no Ateliê CASA. A artista visual, atenta ao sensível e às outras vidas das coisas, confia sua criação à sobre-ação dos tempos e dá escuta aos gritos de supervivência destes objetos e fotografias esquecidos, porém viventes, que clamam por histórias.

O processo da artista visual inicia-se no momento em que acolhe coisas garimpadas nas ruas da cidade de Campinas, elementos biográficos descartados do ciclo de vida de um anônimo. Depois de adotá-los e reanimá-los, Estefania Gavina age como os respigadores, aqueles que passam para recolher “as espigas” após a colheita. Com um olhar sensível e estético apurado para encontrar estados latentes de uma paixão que sobrevive nas coisas, convive com elas, como se estivesse habitando um grande arquivo, que é o espaço de seu ateliê. Naufragada com eles neste grande oceano fantástico, a artista submersa na resiliência, cria estratégias para descobrir ligações secretas.

Eis que um martelo – que sempre sonhou em ser uma pluma e acreditava que os seus golpes ancestrais letais estavam com os dias contados – pousa num ninho e pede para ser pássaro. Ou então velhos e dourados grampos de aço para cabelo – descolados com firmeza de espírito de sua caixinha – instalam-se em um ninho de cupim, entoando sua bravura, para se transformarem num futuro volátil, quem sabe em um asteroide!

Algumas algas dissecadas, viajantes das profundidades do Pacífico, vão se tornando uma medusa. E um velho casco de cavalo, seduzido pela pelúcia vermelha da capa de um álbum de fotos, em um salto lépido, assume o lugar ancestral de estátua-alada protetora. Antigos retratos fotográficos desconhecidos, libertos de álbuns familiares tornam-se fábulas, personagens em estados de reaparição. Configurados em um imaginário particular, os retratos tem rostos fantásticos que eclodem humores da justaposição de matérias orgânicas como pedras, galhos, conchas ou borboletas.

A obra de Estefania Gavina é assim da ordem de um “acontecimento”. Interligando tempos, coisas mortas e coisas vivas, a artista desvela a imortalidade de fotografias e as reconecta em suas migrações de fluxos e ciclos de vida, reinventando destinos que instigam nosso vínculo secreto com as imagens e a biografia das coisas. Eis um universo do fantástico nostálgico e supervivente, que dá asas a histórias não nascidas, a emoções e memórias esquecidas.

Texto por:
F
abiana Bruno